repertório é o seu maior patrimônio!
diante da pasteurização criativa atual, é nossa colcha de referências que traz densidade e uma visão nítida para dar corpo às ideias e valor às intelectualidades nas carreiras!
consigo lembrar o momento em que a moda me salvou.
eu que sempre me senti uma estranha no ninho tive nela a boia salva vidas que me permitiu navegar novos mundos.
hoje entendo o quão sensível o indivíduo que estava ali em formação já demonstrava ser, sensibilidade que usei uma como bússola para direcionar meu olhar para lugares que não achava possível fazer parte, mas graças ao repertório e percurso que construí pude alcançar, superar as expectativas, meus próprios sonhos e ir além através do meu trabalho.
vi na moda uma saída, alcancei que a roupa que tinha funções mais expressivas do que somente cobrir um corpo nu cheio de vergonha, vi o vestir como identidade, plataforma, mensagem, como diz o gênio ronaldo fraga, enxerguei a moda como um RG do mundo.
inclusive, o livro colaborativo entre minha amiga querida sabrina de abreu e o mestre ronaldo fraga entitulado “memórias de um estilista coração de galinha” é uma obra prima, que orgulho ver um trabalho desses dois finalmente no mundo!
mas voltando, num salto de fé parei na arte, como num movimento natural.
as roupas me abriram as portas de um país das maravilhas, um mundo de fantasias, mas por si só não deram conta de responder as inquietações que eu trazia pessoal e profissionalmente.
agreguei outras matérias (no sentido literal e figurado) e enquanto uma garota que cresceu numa casa em que vivia de favor, cercada por padrões de escassez que prejudicavam a própria visão, foi crucial vislumbrar novos horizontes para dar conta do que efervescia dentro de mim.
belas artes, arte contemporânea, performance que até então nem sabia que era arte.
fui invadida, atravessada por tantas manifestações que houve um momento da vida em que estava tão sensível que uma brisa mais leve me emocionaria. picasso, monet, pollock, lee krasner, georgia o'keeffe, françoise gilot, cildo, tunga, lygia pape, uma constelação que guiava aquelas tentativas de responder meus incômodos.
quando fui apresentada à marina abramović lembro do frio que percorreu minha espinha num fevereiro insuportavelmente quente, das lágrimas despencando dos olhos sem controle junto ao suor era como se tivessem me trazido a resposta que tanto esperava, um divisor de águas doces e salgadas naa minha existência. com sua expressão artística entendi a navegar nos mares mais turbulentos dentro de mim. o trabalho de marina me ensinou sobre conexão, presença e constância como nenhum outro professor, vivência de mercado ou formação seria capaz de fazer, volto nessa expressão até hoje quando me sinto desconectada, me emociono como se fosse a primeira vez.
comecei minha própria manifestação na escrita após esse primeiro encontro catártico, sem pretensão alguma de ser perfeita, optei por ser brutalmente honesta, visceral quando elaboro, precisava dar vazão de alguma forma e foi assim que encontrei.
através dos textos concilio o caos em mim, aproximo vocês, administro e organizo minha criatividade de forma autêntica, busco em outras áreas léxicos novos que me ajudam a dar corpo aos frangalhos que ficaram no meio dos caminhos tortuosos que já percorri e isso só acontece por ter me amparado nessa caixa de pandora de repertórios que amplificam minha existência, que possibilitam enfrentar a vida pessoal e profissional de cabeça erguida.
é o repertório que preenche algumas faltas.
repertório é o seu maior patrimônio!
a qualidade da sua expressão criativa é reflexo do que você consome!
enquanto profissionais, somos um laboratório de expressões criativas e independente do formato, sempre que colocamos uma visão no mundo essa construção é um reflexo da qualidade, variedade e densidade que nos constitui enquanto indivíduos.
as ideologias e valores que nos moldam desde a infância, as experiências que tivemos e que formam nossas posturas perante a vida, as visões do mercado que carregamos e defendemos, o que temos absorvido de referências junto da pluralidade dessa colcha de retalhos que alinhavamos, os temas que têm a capacidade de fornecer perspectivas, fundamentar nosso pensamento crítico e permitir um alcance maior sobre o que permeia nossa atuação.
não é de hoje que falamos sobre capital identitário, inclusive complemento que estarmos abertos ao diferente é crucial para detectar e decodificar novas linhas de raciocínio que nos escaparão enquanto circularmos entre bolhas, permitir esse intercâmbio criativo para oxigenar ideias é um bom caminho para não repetir o óbvio, senão corremos o risco de andar em círculos, inclusive na hora de encontrar soluções para diferentes pessoas.
e sei que é natural escorar-se em algo, momentos de cansaço e baixa inspiração existem, sempre existiram no percurso profissional e não há motivo para ancorar-se nessas fases onde a insatisfação será latente, mas também efêmera, porque temos consciência do quão ela é passageira.
contudo, é nessa brecha que mora o X da questão para quem hoje encontra-se desgostosa(o) com sua entrega, intelectualidade e até criatividade.